A exposição fotográfica "Mercados S.A." é uma das etapas de um trabalho dividido em duas partes e que foi concluído no fim de dezembro de 2007.
“É interessante como alguns pontos comerciais enfrentam uma concorrência que é forte. Negociações online, grandes marcas varejistas espalhando-se por cidades do interior, canais de vendas na televisão e, mesmo assim, as pessoas continuam valendo-se, também, daquele ‘mercadinho da esquina’ para comprar desde um quilo de feijão a um par de tênis. Por outro lado, há aqueles que não conseguem resistir ao tempo e isso também merece registro, principalmente para que se tente buscar respostas para tanto”, diz Luís Fernando.
Sobre as 32 imagens, foram escolhidos três pequenos mercados de Santo Ângelo. Entre o início de setembro e fim de outubro, Luís destacou detalhes de cada local e teve a oportunidade de acompanhar os últimos dias de funcionamento de um dos estabelecimentos comerciais. O "Mercadinho das Frutas", de Manoel Alves, após 23 anos, teve suas atividades encerradas por dificuldades financeiras, entre outros problemas. Além deste, o "Mercado Três Irmãos" e "Armazém Silva" completam os cenários escolhidos por Luís para seus disparos. A etapa final deste projeto teve base em vídeo concluído em dezembro de 2007 mostrando os últimos dias de trabalho de Manoel em seu mercadinho. "Estou muito estressado e agora só quero descansar, quero viver", desabafou o experiente comerciante em uma das tardes de gravações, ainda em setembro passado.
AS “SURPRESAS FOTOGRÁFICAS” DE ROLAND BARTHES E O SURPREENDENTE PUNCTUM NAS FOTOS DE LUÍS FERNANDO
Por Paulo Ernesto Scortegagna*
Para Roland Barthes a foto é perigosa, dotando-a de funções que são, para o fotógrafo, outros álibis. São elas informar, representar, surpreender, fazer significar, dar vontade. O próprio Barthes esclarece: "operator" é o fotógrafo; o "spectator" somos todos nós que compulsamos, nos jornais, livros, álbuns, arquivos, coleções de fotos. Ainda para o autor, aquele, aquela ou “aquilo” que é fotografado é o alvo, o referente, espécie de pequeno simulacro, de "eídolon" emitido pelo objeto, que Barthes chama de "spectrum" da fotografia. "Studium" (palavra de origem latina – escolhida por Barthes para classificar/definir suas experiências perceptivas com a fotografia) não quer dizer, pelo menos de imediato, “estudo”, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral - ardoroso, é verdade -, mas sem acuidade particular. É pelo studium que, conforme Barthes, nos interessamos por muitas fotografias, quer as recebamos como testemunhos políticos, quer as apreciemos como bons quadros históricos: pois é culturalmente (essa conotação está presente no studium) que participamos das figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações. Partindo do studium, Barthes define um segundo elemento que dele emana. Algo que para ele é uma espécie de flecha e que vem para transpassar e ferir. Esse elemento que vem contrariar o studium é o "punctum". Há fotos em que não há nenhum punctum e que estão investidas somente do studium. Ainda: O studium é o campo muito vasto do desejo indolente, do interesse diversificado, do gosto inconseqüente: gosto-não gosto (I like-I don’t) é da ordem do “to like”, e não do “to love”. Reconhecer o studium é, ainda, para Barthes, encontrar as intenções do fotógrafo, entrar em harmonia com elas, aprová-las, desaprová-las, mas sempre compreendê-las, discuti-las em nós mesmos, pois “a cultura (com que tem a ver o studium) é um contrato feito entre os criadores e os consumidores”. O punctum é um “detalhe”. Tem, mais ou menos virtualmente, uma força de expansão. A força é freqüentemente metonímica. Há, ainda, outra expansão do punctum quando, paradoxo, ao mesmo tempo em que permanece um “detalhe”, preenche toda a fotografia. O studium está, em definitivo, sempre codificado; o punctum, não. Barthes imagina (mesmo não sendo fotógrafo) que o gesto essencial do operator é o de surpreender alguma coisa ou alguém e que esse gesto é perfeito quando se realiza sem que o sujeito fotografado tenha conhecimento dele.
Desse gesto derivam abertamente todas as fotos de Luís Fernando, cujo princípio (seria melhor dizer "cujo álibi”) é o “choque”; pois o “choque” fotográfico (bem diferente do punctum) consiste menos em traumatizar do que em revelar aquilo que estava tão bem oculto que o próprio ator dele estava ignorante ou inconsciente. Por fim, sobre as “surpresas da fotografia” expostas por Barthes, da primeira à quinta, estão todas nas fotos de Luís Fernando: “raro” (raridade do referente, bem entendido); “'numen' do quadro histórico” ou seja: o instantâneo; “proeza”; “as contorções da técnica”: sobreimpressões, anamorfoses, exploração voluntária de certos defeitos (desenquadramento, desfocamento, perturbação das perspectivas, et al...) e, por fim, a última: o “achado”.
Parafraseando Barthes, concluo por aqui mesmo: Luís Fernando, como um acrobata, desafia as leis do provável ou mesmo do possível; em última instância, desafia as do interessante: suas fotos se tornam “surpreendentes” a partir do momento em que não se sabe por que elas foram tiradas, qual o motivo e interesse por fotografar três mercados de Santo Ângelo (RS), seres humanos vendendo e comprando, bananas quase “passadas”, sandálias, banco vermelho, feijão preto no balde e o “Internacional”, cebolas e batatas, leite em garrafas de Coca-cola, L'oreal e frutas. E as duas cujo punctum me faz dizer “I love”: Seu Manoel e a faixa “Deus te acompanhe” (que valha a metonímia: depois de 23 anos de existência-desistência do negócio, fechou as “portas”) e "a vendedora, o baleiro e a menina". A pequenina, com sua inocência, ao balcão, espera, quem sabe, sua mercadoria preferida: um doce qualquer!
*curador da mostra
Exposições
Exposição Mercados S.A.. Fotografias de Luís Fernando e curadoria de Paulo Ernesto Scortegagna. 06 a 20 de novembro de 2007. Sala de Exposições Java Bonamigo, campus Unijuí. Ijuí, RS.
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